Ana Lúcia Hennemann*
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Autor:Rita Margarida Toler Russo Número de Páginas:146 Ano: 2015 Editora: Juruá |
Com menos de 10 anos no Brasil, na modalidade de especialização Lato Sensu, a Neuropsicopedagogia tem apresentado um elevado crescimento, sendo que neste ano de 2015, destacou-se com alguns marcos importantes:
- I Seminário de Neuropsicopedagogia, ocorrido na cidade de Jaraguá do Sul, em Santa Catarina; - o presidente da Sociedade Brasileira de Neuropsicopedagogia, prof Drº Luiz Antonio Correa, apresentou no Senado Federal a Conferência: "Uma Visão Neuropsicopedagógica do Desenvolvimento Humano" (links: http://migre.me/s0ImW e http://migre.me/s0IoD ) e o lançamento do livro: Neuropsicopedagogia Clínica – Introdução, Conceitos, Teoria e Prática, publicado pela editora Juruá. Além do Código de Ética - Técnico Profissional da Neuropsicopedagogia, o livro Neuropsicopedagogia Clínica atualmente é um dos principais documentos da profissão. E é sobre ele que venho a descrever uma breve resenha elencando aspectos importantes ressaltados na obra.
A autora, profª Drª Rita Margarida Toler Russo, traz contribuições que pontuam muitas inquietações que haviam dentro deste contexto. Numa leitura muito prazerosa, o livro está distribuído em 5 capítulos, contemplando as diversas necessidades que o Neuropsicopedagogo poderá ter no decorrer de sua atividade profissional tanto no conhecimento teórico, quanto no conhecimento prático.
No primeiro capítulo, intitulado A Neuropsicopedagogia Clínicahá a definição do conceito da Neuropsicopedagogia, definida pelo SBNPp (apud RUSSO, 2015) como: “uma ciência transdisciplinar, fundamentada nos conhecimentos da Neurociência aplicada à educação, com interfaces da Psicologia e Pedagogia que tem como objeto formal de estudo a relação entre cérebro e a aprendizagem humana numa perspectiva de reintegração pessoal, social e escolar.”
Neste capítulo um dos pontos que merecem destaque é quando Russo (2015, p.17) menciona: “A Neuropsicopedagogia Clínica, embora estude o funcionamento do cérebro e o comportamento humano, tem os alicerces de sua prática nas teorias de aprendizagem e nas estratégias para o ensino aprendizagem.” Em outras palavras: não adianta apenas entender o funcionamento do sistema nervoso, se faz necessário entender as teorias que fundamentam a aprendizagem e que estratégias poderiam ser mais eficazes para o atendimento de determinados indivíduos.
Após as colocações sobre a Neuropsicopedagogia, a autora faz uma contextualização da definição e da diferenciação entre as atividades desenvolvidas pela Neuropsicopedagogia, a Neuropsicologia e a Psicopedagogia, que como forma de sistematização estão inseridas no quadro(1), entretanto, no livro a autora traz uma abordagem mais ampla e com maior riqueza de detalhes de cada uma delas:
Quadro 1- Diferenciações e semelhanças entre a Neuropsicopedagogia, Neuropsicologia e Psicopedagogia
| Neuropsicopedagogia | Neuropsicologia | Psicopedagogia |
Bases | Neurociência + Psicologia + Pedagogia | Neurociência + Psicologia | Psicologia + Pedagogia |
Instrumentos de avaliação | Faz uso de testes não privativos (instrumentos que podem ser utilizados tanto pela Psicologia quanto por outras profissões), realizando avaliação, intervenção e acompanhamento do indivíduo com dificuldades de aprendizagem, transtornos, síndromes ou alta habilidades que causam prejuízo na aprendizagem escolar e social. | Faz uso de instrumentos especificamente padronizados avaliando as funções neuropsicológicas (habilidades de atenção, percepção, linguagem, raciocínio, abstração, memória, aprendizagem, habilidades acadêmicas, processamento de informações, visuoconstrução, afeto, funções motoras e executivas. | Faz uso de métodos, instrumentos e recursos próprios para a compreensão do processo de aprendizagem, cabíveis na intervenção. |
Atuação | Atua na avaliação, intervenção, acompanhamento, orientação de estudos e no ensino de estratégias de aprendizagem. | Atua no diagnóstico no tratamento e na pesquisa da cognição, das emoções, da personalidade e do comportamento sob o enfoque da relação entre estes aspectos e o funcionamento cerebral. | Atua em Educação e Saúde que se ocupa do processo de aprendizagem considerando o sujeito, a família, a escola, a sociedade e o contexto sócio-histórico, utilizando procedimentos próprios, fundamentados em diferentes referenciais teóricos |
Semelhanças | Natureza Multiprofissional, inter e transdisciplinar e o estudo do desenvolvimento humano e dos processos de ensino e aprendizagem. |
Fonte: elaborado pela autora de acordo com a fundamentação do Livro Neuropsicopedagogia Clínica
Ressaltada a diferenciação entre as três linhas de atuação, o capítulo 1(um) é contemplado com a descrição minuciosa do sistema nervoso, suas divisões e subdivisões, a influência dos neurotransmissores em questões relativas à aprendizagem, bem como as partes do neurônio e a descrição das sinapses. A autora traz também o conceito de neuroplasticidade e a importância da mesma no processo de aprender/reaprender.
Como teórico das funções cerebrais, Luria recebe destaque neste capítulo onde são explicadas as unidades funcionais e as bases neuropsicológicas da aprendizagem: atenção, percepção e memória.
O segundo capítulo, Desenvolvimento e Aprendizagem, reforça o comprometimento do neuropsicopedagogo com o estudo do desenvolvimento humano nas suas diversas interfaces, ressaltando as questões relativas à aprendizagem, trazendo o resgate de contribuições importantes de Piaget (figura 1), tais como:
Figura 1- Piaget e os processos de Equilibração, Assimilação e Acomodação.
Fonte: elaborado pela autora de acordo com a fundamentação do Livro Neuropsicopedagogia Clínica
O mesmo capítulo sintetiza as contribuições de Vygotsky e o importante papel da mediação da aprendizagem, mas além disso são abordados o significado dos signos quanto ao desenvolvimento humano, onde aparecem as questões relacionadas a internalização e a reconstrução da atividade interna. A autora cita que “sem os signos externos, principalmente a linguagem, não seriam possíveis a internalização e a construção das funções superiores. ” (RUSSO, 2015, p.72)
Como terceiro protagonista do desenvolvimento humano, Henri Wallon e seus estudos do desenvolvimento infantil, envolvendo aspectos afetivo, cognitivo e motor, que são abordados com muita propriedade.
O quarto e último teórico, trata-se de Albert Bandura, este tem seus estudos pautados na aprendizagem e o papel da modelação social no desenvolvimento cognitivo e linguístico das crianças. Através de Bandura percebemos que muitas aprendizagens ocorrem por observação do comportamento de outras pessoas. Conforme Russo (2015, p.78),
A abordagem de Bandura consiste em uma teoria de aprendizagem “social”, porque estuda a formação e a modificação do comportamento nas situações sociais. Seu objetivo é observar o comportamento dos indivíduos durante a interação, reforçando a influência dos esquemas de reforço externo dos processos de pensamento, tais como: crenças, expectativas e instrução.
Através da proposta de explicar o como diferentes teóricos percebem o desenvolvimento e a aprendizagem, Rita Russo demonstra que o neuropsicopedagogo necessita se apropriar destes conhecimentos percebendo o indivíduo na sua totalidade, entendendo que o desenvolvimento e aprendizagem envolvem dimensões “neuro-bio-psico-sociais”.
O capítulo três, Dificuldade de aprendizagem, inicia com algumas conceituações sobre a terminologia que aparece no título, sendo que conforme a Organização Mundial de Saúde (1993 apud RUSSO, 2015, p. 84-85),
Os transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares compreendem grupos específicos de transtornos manifestados por comprometimentos e significativos na aprendizagem. [...] Eles não nãos simplesmente uma falta de oportunidade de aprender, e sim, dificuldades decorrentes de desenvolvimento neurológico.
As dificuldades de aprendizagem são muitas e necessitam muito conhecimento sobre tudo que envolvem estes transtornos, nesse sentido a autora traz a conscientização da importância do neuropsicopedagogo clínico ter familiaridade com o DSM-V, principalmente sobre os Transtornos do Neurodesenvolvimento.
Como forma de contribuição para o atendimento clínico, ela traz de forma breve, porém com muita riqueza de conteúdo, descrições de distúrbios mais comuns relacionados à aquisição de linguagem e habilidades matemáticas, mas também há a descrição de habilidades que a criança necessita ter desenvolvido para a aquisição da alfabetização e numerancia.
Um ponto muito positivo deste capítulo é justamente a forma como a autora fez a descrição de como ocorre o desenvolvimento normal do indivíduo dentro de determinada área e quais os comprometimentos que ocorrem quando este não se encontra dentro dos padrões esperados. Trata-se de um capítulo muito prático, repleto de elementos que auxiliam na avaliação neuropsicopedagógica.
O quarto capítulo,Princípios da avaliação neuropscicopedagógica, traz orientações pertinentes quanto ao uso de testes do neuropsicopedagogo para avaliação dos indivíduos. Rita Russo além de mencionar a variedade de testes disponíveis, enfatiza o cuidado para não ser utilizados testes vetados a demais profissionais, e, também lembra que as escolhas dos instrumentos de avaliação devem estar coerentes com as características do paciente.
Nesse sentido, o trabalho desenvolvido por Vygotsky, Luria e Leontiv , em seu livro "Desenvolvimento e aprendizagem", comprovaram que os testes devem contemplar elementos que já são de conhecimento prévio do indivíduo, que fazem parte da cultura local, exemplos estes podem ser lidos no capítulo intitulado “Diferenças culturais de pensamento”. Sendo que, Rita Russo aborda a importância de adaptar os testes para as condições do paciente e analisá-lo de maneira mais qualitativa (RUSSO, 2015).
Outro item que deve ser ressaltado faz menção à avaliação neuropsicopedagógica, ou seja, para quais habilitações o neuropsicopedagogo possui ou não capacidades de avaliar e quais as patologias que são de competência de ouros profissionais. Como forma de sistematização, são apresentadas na figura(2) abaixo:
Figura 2- Avaliação Neuropsicopedagógica.
Fonte: elaborado pela autora de acordo com a fundamentação do Livro Neuropsicopedagogia Clínica
De forma muito bem detalhada no livro, Russo apresenta as etapas do atendimento neuropsicopedagógico, mas subliminarmente há ênfase para flexibilidade e perspicácia do neuropsicopedagogo quanto a melhor estratégia para cada indivíduo...por exemplo:
Quadro 2- Sugestão de atendimento neuropsicopedagógico
Sugestão de atendimento neuropsicopedagógico |
| Objetivo | Estratégias | Tempo: |
Anamnese | - Investigar o histórico familiar, gestacional, parto - fatos que envolvam o momento do nascimento, pós-parto. Pós-parto. – Avaliar a situação atual do paciente, sua evolução ao longo do tempo e sua compreensão sobre seu problema. Desenvolvimento neuropsicomotor; o jeito de ser do paciente; experiências escolares; Estudo da queixa (motivo da consulta). | - Entrevista com os familiares; - Observação lúdica; - Análise do material escolar; - Diálogo com a equipe técnica-pedagógica e professores da escola frequentada pelo paciente. | - a entrevista pode ocorrer numa única sessão, porém, logo em seguida deve-se informar o objetivo e a função da avaliação neuropscicopedagógica, a previsão do número de sessões e a forma de encerramento, a definição do horário e a duração das sessões, local de atendimento, honorários e a forma cobrança. |
Avaliação Neuropsicopedagógica |
| - observação do indivíduo frente as atividades propostas (forma como executa as atividades dirigidas e espontâneas, se apresenta: colaboração, oposição, inquietude, motivação, insegurança ou tensão) - análise do material escolar; - investigação das habilidades sociais - Instrumentos padronizados; - Hora lúdica - etc; | Entre 3 a 6 sessões de 1 hora e ½, dependendo do caso. Na fase de avaliação é possível atender o paciente até 3 dias na semana, porém intercalados.
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Devolutiva aos familiares, ao paciente e à escola. | - apresentar os resultados evidenciados a coleta de dados feita na avaliação, indicando fatores que estão dificultando a relação ensino-aprendizagem, mas também, orientar e sugerir estratégias para melhorar | Tanto o paciente como os familiares e/ou responsáveis necessitam de orientações e indicações para acompanhamento futuro |
Intervenção | - Utilizar estratégias variadas que promovam o ensino-aprendizagem | - Estratégias variadas contemplando as necessidades de cada paciente. | - Sessões de uma a duas vezes por semana com duração de 50 minutos. |
Fonte: elaborado pela autora de acordo com a fundamentação do Livro Neuropsicopedagogia Clínica
Em aspectos relacionados à avaliação, há a preocupação de mostrar que existem modalidades diferentes de avaliar o paciente, envolvendo:
Avaliação quantitativa: instrumentos de leitura, escrita, aritmética, atenção e funções executivas, memória de aprendizagem e destreza motora.
Avaliação qualitativa: desenhos, sequência e movimentos, exercícios de criatividade, tarefas envolvendo leitura, escrita, cálculos, interpretação e intelecção de texto, jogos (competitivos ou não) e softwares educativos.
Após toda a explanação das etapas destinadas ao atendimento ao paciente, a autora faz a descrição de diversos Instrumentos de avaliação que podem ser utilizados nas diversas áreas do desenvolvimento humano.
O quinto e último capítulo aborda a Intervenção Neuropsicopedagógica e inicia enfatizando a importância do uso de estratégias variadas de aprendizagem como instrumentos de intervenção, que segundo Russo (2015, p.125) “por serem conscientes e intencionadas, as estratégias de aprendizagem implicam em Plano de Ação (intervenção)”. E para isso, é ressaltada a importância do planejamento de metas contemplando fases: inicial, intermediária e final da intervenção, sendo que estas são propostas por Beltrán (1993,1996) e Rita Russo traz para o contexto da Neuropsicopedagogia.
Quadro 3- Metas de Intervenção Neuropsicopedagógica
Metas de intervenção Neuropsicopedagógica |
Fase Inicial | - investigação de como o paciente utiliza-se de sua capacidade em aprender e de que forma esta possa ser reconhecida e assim legitimar as habilidades e competências nos desafios escolares. |
Fase Intermediária | - uso de estratégias visando os processos de compreensão-retenção e recuperação-utilização. O neuropsicopedagogo fará uso de recursos variados |
Fase Final | - reavaliação do quadro: se o paciente alcançou as metas procede-se à alta; - se não atingiu elabora-se um novo relatório, destacando os ganhos do paciente durante o período de intervenção, mas em seguida, apresenta-se um novo plano. |
Fonte: elaborado pela autora de acordo com a fundamentação do Livro Neuropsicopedagogia Clínica
E neste capítulo final, Rita Russo nos contempla com sugestões de atividades que podem fazer parte do plano de intervenção.
Os tópicos descritos aqui são mínimos comparados a todo conteúdo abordado no livro. A autora preocupou-se em elencar aspectos fundamentais para o trabalho do Neuropsicopedagogo Clínico, pautados tanto na teoria quanto na prática. O livro constitui-se de 146 páginas muito bem utilizadas e repletas de saberes importantes, que necessariamente não se limitam somente ao neuropsicopedagogo, mas a todos profissionais da área clínica que intervém nos aspectos relativos ao ensino-aprendizagem.
Bibliografia:
RUSSO, Rita Margarida Toler. Neuropsicopedagogia Clínica: Introdução, Conceitos, Teoria e Prática. Curitiba: Juruá, 2015.--------------------------------------------------------------------------------* Especialista em Alfabetização, Neuropsicopedagogia e Educação Inclusiva, Neuropsicopedagogia Clínica e Pós-graduanda em Neuroaprendizagem. - whatsApp - 51 9248-4325
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