Ana Lúcia Hennemann[1]
Talvez não tenha conseguido fazer o melhor, mas lutei para que o melhor fosse feito. Não sou o que deveria ser, mas graças a Deus, não sou o que era antes. (Marthin Luther King)
Toda criança ao cursar os primeiros anos de escolaridade formal evoca, naqueles que interagem com ela, expectativas relacionadas ao processo de aprendizagem. Será um período de continuidade do todo o trabalho já desenvolvido na Educação Infantil, no qual a criança no findar dos três primeiros anos do Ensino Fundamental I deverá ter condições de ler, escrever, interpretar, calcular, ou seja, adquirir habilidades básicas que servirão de suporte para os demais anos acadêmicos.
Enfatizamos uma educação que tenha o olhar na individualidade do aluno, mas também é na escola que as crianças estão inseridas num ambiente de coletividade e muitas vezes os seus pares (seus colegas) é que servem de parâmetro para identificar como está o processo de aprendizagem de cada indivíduo. E quando esta aprendizagem se mostra mais lenta comparada aos demais, se faz necessário um olhar mais abrangente dos profissionais da educação principalmente procurando investigar se há ou não critérios que sinalizam um Transtorno Específico de Aprendizagem.
Os Transtornos específicos de aprendizagem são aqueles onde há déficits específicos relacionados a capacidade do indivíduo perceber ou processar informações com eficiência e precisão. Eles geralmente se manifestam durante os primeiros anos de escolaridade formal, cujas características marcantes são as dificuldades persistentes e prejudiciais nas habilidades acadêmicas de leitura, escrita e/ou matemática.
Numa leitura superficial, certamente muitas crianças poderiam aí ser classificadas; e percebe-se que muitas delas são enviadas ao atendimento especializado pautados nas dificuldades persistentes das habilidades acadêmicas. O DSM-V (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais), que inicialmente era material de referência para aqueles que trabalham na área da saúde, atualmente, tem se mostrado leitura obrigatória para todos aqueles que atuam na área educacional principalmente porque nele há a descrição detalhada dos Transtornos específicos de aprendizagem.
O DSM-V, traz critérios de classificação destes transtornos, subdivididos em 4 níveis e especificados em subitens, o que faz com se tenha bem claro a diferença entre crianças com dificuldades das que realmente apresentam transtornos. Por exemplo: logo no critério A, existe a questão dos sintomas a serem elencados persistirem durante 6 meses APÓS INTERVENÇÃO.
Não há muita clareza, sobre quais os tipos de intervenções a serem realizadas, no entanto elas abrangem desde o contexto educacional e até mesmo o clínico. Mousinho e Navas (2016, p. 39) observam que
O texto que inicia o critério A traz uma das maiores novidades dessa edição do DSM para os transtornos específicos de aprendizagem, que é a inclusão da proposta de resposta à intervenção (response to intervention – RTI). Trata-se de um modelo em que o diagnóstico não é dado a priori; inicialmente, pode ser estabelecida uma hipótese diagnóstica, que deve ser confirmada após um período de intervenção eficaz e cientificamente embasada.
Quando a criança não está aprendendo devemos sim, investir em todos recursos necessários para entender o que está dificultando a sua aprendizagem, contudo, como professores não podemos nos eximir do nosso dever de ensinar e também proporcionar qualidade neste ensino para que a mesma venha obter resultados satisfatórios. Cada indivíduo tem seu próprio ritmo de aprendizagem, sendo que muitas vezes isto é desconsiderado, avaliando todos utilizando-se de mesmo critérios. Por exemplo: digamos que uma criança provenha de um lar onde não há estímulo para a leitura, onde talvez a linguagem entre os moradores deste local seja pobre de conteúdo e não exista hábitos de estudo. Certamente, esta criança vai apresentar um ritmo de aprendizagem diferente das crianças que tenham qualidade de estímulos, talvez a escrita dela apresente frases curtas e com muitos erros ortográficos, mas isto não quer dizer que ela tenha um transtorno de aprendizagem, mas sim que ela necessita de maior intervenção pedagógica. E o interessante aqui é verificar o quanto esta criança, ao longo do tempo, melhorou seu desempenho acadêmico usando como parâmetro ela mesma.
Salles et al (2013) em seu artigo “Normas de desempenho em tarefa de leitura de palavras/pseudopalavras isoladas (LPI) para crianças de 1º ano a 7º ano” comprovam que o desempenho das crianças em leitura melhora no decorrer dos anos escolares, através de boas intervenções. E também outro dado significativo deste artigo é que crianças de escolas públicas no primeiro ano de educação formal apresentam índices mais baixos de leitura comparadas às de escola privada, no entanto quando chegam ao final do terceiro ano, o desempenho delas se igualam, o que nos leva a perceber o quanto a educação promove a neuroplasticidade das crianças, ou seja, é o “meio modificando o meio”.
Jaime Luiz Zorzi, em seu livro “Aprendizagem e distúrbios da linguagem escrita: Questões clínicas e educacionais” utiliza uma expressão que há muito tempo me inquieta e tem sido fruto de longas reflexões e debates com outros colegas da área. O autor menciona sobre os “Pseudo Distúrbios de Aprendizagem”, ou seja, quando todas as deficiências do ensino aprendizagem são depositadas no aprendente. Como o livro foi publicado em 2003, e o DSM-V em 2013, poderíamos dizer que Zorzi faz menção aos “Pseudo- transtornos específicos de aprendizagem”
Pseudo transtornos de aprendizagem ocorrem quando deixamos de proporcionar nosso melhor na educação, quando pensamos que cada criança tem seu tempo de aprender e nos “poupamos” de prover recursos que promovam a aprendizagem desta criança.
Esta situação nos faz perceber o quanto se faz necessário qualificar ainda mais os profissionais que trabalham nos anos iniciais, que são os voltados ao período de alfabetização e isto não se redireciona somente a leitura e escrita, mas sim a todos os comprometimentos que envolvem este contexto.
A educação escolar poderia ser comparada como a construção de um edifício onde a educação infantil deveria se preocupar com todo a estrutura que fica abaixo da terra, que dará o suporte para as etapas posteriores do prédio, mas logo em seguida, se as primeiras paredes não forem bem assentadas, que é justamente o papel dos anos iniciais, este prédio pode não resistir aos primeiros vendavais, trepidações e assim por diante. Os andares posteriores do prédio correspondem ao ensino fundamental, ensino médio, graduação, pós-graduação ou seja, cada andar necessita ser bem-acabado para dar suporte ao próximo. Mas também temos que ter o entendimento que se ocorreram lacunas de anos anteriores, não adianta procurar quem falhou, mas sim, quais são as falhas e de que modo elas podem ser remediadas, pois educação é acima de tudo investimento no ser humano.
Devemos lembrar que existem sim, transtornos de aprendizagem, mas jamais devemos confundi-los com os pseudo transtornos, como forma de justificar algo que deixamos de fazer.
Referências Bibliográficas:
MOUSINHO, Renata, NAVAS, Ana. Mudanças apontadas no DSM-5 em relação aos Transtornos Específicos de Aprendizagem em leitura e escrita. Disponível online em:http://www.abp.org.br/rdp16/03/RDP_3_201604.pdf
SALLES, Jerusa. Et al. Normas de desempenho em tarefa de leitura de palavras/pseudopalavras isoladas (LPI) para crianças de 1º ano a 7º ano.Disponível online em: http://www.revispsi.uerj.br/v13n2/artigos/pdf/v13n2a02.pdf
ZORZI, Jaime. Aprendizagem e distúrbios da linguagem escrita: Questões clínicas e educacionais. Porto Alegre, Artmed, 2003.
Como fazer a citação deste artigo: HENNEMANN, Ana L. “Pseudo”- transtornos específicos de aprendizagem. Novo Hamburgo, 23 fevereiro/ 2017. Disponível online em: http://neuropsicopedagogianasaladeaula.blogspot.com.br/2017/02/pseudo-transtornos-especificos-de.html |