Alfabetizar é uma das coisas mais maravilhosas que existem!!! Aqueles que são da área sabem do que estou falando, pois quando a criança ganha o famoso “estalo” fica tão entusiasmada que nos transmite uma alegria inexplicável. Recebemos “doses de dopamina via contato com o aluno”, MARAVILHA!!!
Mas, na verdade, o tal “estalo” trata-se da transformação da informação em conhecimento. Isso faz parte do plano de curso, tanto que o professor investe em várias estratégias que promovam este ato. Haja criatividade pois é jogo de bingo, música com determinadas palavras em destaque, caça palavras, jogo da palavra secreta, pular amarelinha sobre palavras estudadas e cada qual com suas cartas na manga. E é por isso que a aprendizagem se dá em espiral, o mesmo conteúdo tem que passar diversas vezes pelo aluno, porém de “forma camuflada”.
E tem aqueles que dizem que aprender não é repetir!!! Precisa repetir sim!!! Entretanto, cada indivíduo, num processo que só a ele compete, faz a junção daquilo que sabe (conhecimento prévio) com o que está sendo ofertado (interação com o meio) e a partir disso cria uma nova significação, um novo conhecimento. Uma nova ramificação nas espinhas dendríticas. E no caso da alfabetização, uma decodificação do mundo letrado.
Uns por questões genéticas e ambientes mais privilegiados conseguem fazer esta decodificação mais cedo, começam a ler lá pelos 4, 5 anos, outros necessitam de mais estímulos e muitas vezes não se alfabetizam tão rapidamente assim, mas tudo é parte deste processo individual que acontece com o ser humano.
Das muitas cenas que acontecem no ambiente escolar, sempre há aquelas mais significativas, que nos causam impacto e por isso guardamos em nossas memórias. Lembro o caso de uma menina que precisou de muitos estímulos para que o tal “estalo” ocorresse. Hoje percebo que a ansiedade de aprender pode ser um fator que prejudica o aluno. Por exemplo: sabe aqueles filhos que os pais sonham em que passem em tal vestibular, em tal universidade, isso tudo vai criando uma ansiedade generalizada, uma expectativa do que ainda não aconteceu, mas ao mesmo tempo arremete subliminarmente o indivíduo a um estágio de tensão, uma ansiedade. E isso, pode acontecer no processo de alfabetização de algumas crianças, a expectativa da família é tanta que bloqueia a aprendizagem do indivíduo. Pois a ansiedade gera mais cortisol, um hormônio que desempenha papéis importantes no nosso organismo, porém em nível excessivo pode afetar o hipocampo, que é uma das áreas envolvidas no processo de aprendizagem.
Bem, mas no caso desta criança, quando a família baixou a tensão, ela se alfabetizou, o tal “estalo” aconteceu. E a menina era uma gracinha, pequenina, sabem aquelas baixinhas invocadas, que não levam desaforo pra casa, pois é: numa segunda-feira qualquer, ela chegou eufórica com um caderninho na mão, repleto de palavras e disse: - Professora, eu acho que aprendi a ler!!!
Olhei pra ela, sentindo um orgulho muito grande pelo seu desempenho, pois quando temos amor pelo que fazemos, as conquistas de cada um que está no processo nos pertencem. É vibrar pelo bem estar do outro. Mas, antes que pudesse lhe dar aquele abraço caloroso e parabenizá-la, aconteceu algo que não consegui evitar, mas aconteceu...
Um colega, proficiente na leitura, leitor assíduo de várias revistas de destaque desde os 4 anos de idade (isso mesmo, ele tinha altas habilidades) olhou para ela e disse:
- Grande coisa você achar que aprendeu a ler, eu já faço isso desde os 4 anos de idade, sei ler tudo e sobre vários assuntos!!!
E não é que a baixinha era rápida na resposta:
- Aprendi a ler e agora posso ler tudo que você lê, posso saber tudo que você sabe, é só eu estudar todo dia!!!
Uiaaaaaa, e estas crianças precisam de professor pra quê??? Eu é quem aprendi!!!
Ahhh e nem pense que ficaram inimigos, muito pelo contrário, apenas externaram seus sentimentos e passou. Nós adultos é quem atribuímos juízo de valor aos fatos; crianças não, elas apenas dizem o que pensam no momento.
Mas esta pequena história foi por causa de uma reflexão que sempre faço nas aulas de pós: - Quem nos diz que somos ou não habilidosos em determinadas áreas?
E as conclusões sempre são pautadas em nós, nas exigências que fazemos para nossa pessoa, esquecemos de valorizar pequenas conquistas que podem nos levar a grandes habilidades. Perdemos esta inocência de criança e esquecemos de nos vangloriar por cada pequeno passo conquistado, não no sentido de sermos exibicionistas, mas sim de reconhecer nosso valor, nosso esforço e principalmente nosso mérito por ter alcançado tal objetivo.
Como adultos traçamos metas, fazemos todo um arsenal de estratégias para conquistar certas habilidades, mas esquecemos de ser nosso próprio parâmetro, e essa foi a lição que a pequenina aluna recém alfabetizada nos mostra: - que através de nosso empenho podemos alcançar patamares tão altos quanto quaisquer outras pessoas! Tudo é uma questão de dedicação, de assumir um compromisso com sua própria pessoa.